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quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Tentando entender essa viagem 1

Sou a segunda filha de um jovem casal. Quando nasci minha mãe estava há um mês de completar 21 anos e meu pai de completar 25. Tinha uma irmã de 1 ano e 11 meses. E como não havia ainda ultrassonografia, aguardavam o tão sonhado menino. Cheguei, minha mãe até que aceitou depressa, mas meu pai segundo ela, soltou um baita palavrão de frustração, mas enfim o menino chegaria 1 ano e 8 meses depois, então estava tudo mais ou menos certo, um casal, três crianças e dois hóspedes pra ajudar e atrapalhar. A pequena casa servia de guarida para o irmão do pai e o irmão da mãe e um pouco antes do meu irmão nascer, o irmão da mãe veio a óbito por meio violento. Já o irmão do pai, era desonesto e roubava até o sustento da família. 
Eu fui uma criança muito doente. Começamos minha irmã e eu com crises de bronquite, revezando as internações. Depois, como adquiri outras infecções, doenças da enfermaria, fui ficando cada vez mais debilitada e fraca. Curava uma coisa e já emendava em outra, até que o médico desenganou. Minha mãe dizia, que o medo era que eu contagiante outras crianças internadas, porque pra mim não teria jeito. Então tive alta para ficar em casa o tempo que restasse. Claro que não lembro de detalhes, dos dois anos só guardo flashs isolados de injeções, muito choro, o colo da minha mãe e o dia que recebi uma oração numa campanha de igreja evangélica e cheguei em casa com fome, depois de meses me recusando a ser alimentada. Lembro que minha mãe foi na cozinha preparar a janta e eu disse "quer mama". Eles sorriram, ela me preparou a mamadeira e dali em diante começou minha recuperação.

Por causa dessa intercorrência, eu estava com apenas 6 kilos e tinha parado de caminhar. Quando comecei a me recuperar, voltei a andar e engordar, meu desenvolvimento começou a se normalizar, mas algo dentro de mim continuou desencaixado. Não sei se já nasci com algum traço autista ou se algo aconteceu durante o desenvolvimento enquanto estive doente. O fato é que nunca me encaixei ou me senti pertencente a lugar nenhum. Sempre faltou algo, eu não sabia interagir, sempre fui muito chorona e me desregulava muito emocionalmente. Crises de choro e gritos eram constantes, não sabia me reorganizar e não tive nenhum tipo de suporte, até porque ninguém investigava essas diferenças. Era vista como criança difícil, até porque não tinha atrasos cognitivos, apenas angústia, depressão e não conseguia brincar.

Minha irmã um pouco mais velha, interagia com outras crianças, brincava de roda, pai Francisco e batatinha frita 1, 2, 3. Eu tinha até vontade mas não sabia, não aceitava, só ficava perto. Até que em determinado momento entrava e deitava no tapete, acho que já ficava exausta depois de cada tentativa. 

Essa irmã durante muitos anos foi ponte para que eu pudesse interagir. Como ela era muito falante e eu calada, acabava sendo usada como instrumento para as poucas interações que eu tive durante a infância. Já na escola eu não tinha esse apoio e me encaixar foi um sofrimento. Aos 4 eu chegava na escolinha e deitava na rede para dormir. Não fazia nada até minha mãe me buscar. Já aos 5 comecei a ser alfabetizada, mas como não interagia com crianças, a professora levou meu caso para a diretora e ambas ficaram me observando durante muito tempo. Eu não aceitava ensaiar para nada, permanecia quieta e só ficava perto da professora na hora do recreio. Se eu sentasse em w, a diretora vinha me corrigir, me ajudaram muito até eu ganhar segurança, aprender as letras e no final do ano até aceitei participar da festa de encerramento. Mas minha vida escolar sempre foi difícil, eu aprendia no tempo esperado, mas não conseguia interagir, sofria bullying, passava mal até pra responder a chamada. Com muita frequência dispersava a atenção e chegava a chorar se tivesse alguma dúvida, porque não queria perguntar. Na terceira série fui reprovada mesmo sendo uma aluna mediana, porque fui considerada imatura para ir para a quarta série. No ano seguinte quebrei o braço na escola e não disse a ninguém porque não consegui. Dois meninos corriam no recreio, o da frente me jogou no chão e o segundo pisou no meu braço. Ninguém me socorreu porque não consegui pedir ajuda.

Era um suplício fazer algum trabalho em grupo, na maioria das vezes eu fazia sozinha e colocava o nome do grupo. Nunca consegui fazer educação física, jogar e conseguia as notas com provas teóricas. A vida inteira elegia apenas uma amiga, que muitas vezes era a excluída da classe e se tornava ponte para que eu pudesse me incluir em outras rodas de amigos. Sempre fui muito introvertida e calada. Sozinha não conseguia interagir, ser natural com esses mesmos amigos.

Tive pouquíssimos relacionamentos amorosos, não tinha muita maturidade e era muito fácil me enganar e trocar por outras. Até que em casa eu era espontânea e até brigava bastante com meus irmãos. Era vista como criança agressiva e adolescente irreverente, acho que uma terapia ajudaria, mas a terapia lá em casa era chinelo e cinto. Todas as vezes que me frustrava me isolava, comecei a escrever para desabafar. Poesias, redações, cartas. Escrever se tornou mais fácil do que falar.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

meu lar

A casa que a gente mora, tem que falar de nós 
Tem que contar nossa história 
Tem que acolher, tem que ser nossa voz
Nos detalhes, no estilo, 
tem que contar as memórias 
Alegria nos encontros, paz nos momentos a sós.

A minha me encanta em cada canto 
Nas texturas que escolho, nas cores, nos adornos 
Tem gente que enxerga excessos
Mas não gosto de nada morno
São os excessos que carrego
Cheiro de lavanda ou bolo no forno 

Nem todos gostam de muita informação 
Mas  são informações ao meu respeito 
E poucos se interessaram nessas também 
Cada um decora do seu jeito 

Em tempos de minimalismos e tons pastéis 
Móveis planejados e sofisticação 
À mim encanta o rústico, o vintage
E a alma sensível do artesão 
O belo pra mim não é o luxo
Bonito é escolher com o coração 

Minha casa é meu mundo
Meu descanso, meu lugar de paz
Aqui a rainha sou eu, tudo tem minha alma
Descubra-se e se faça esse carinho 
O cantinho dos sonhos se faz com calma

domingo, 11 de maio de 2025

cronos e kairós

Estamos familiarizados com o tempo cronológico, é nele que baseamos a história do mundo e nossa própria trajetória, o tempo linear narra os fatos em sua ordem, nos fazendo medir o tempo no antes, agora e depois, passado, presente e futuro, como se a série de fatos contasse sobre a existência obedecendo sua ordem de acontecimentos.

Kairós porém, é a maneira grega de contar o tempo pelo seu significado ou momento oportuno, propício, momento certo. 

Na Bíblia fica bem subjetivo, pois narra que antes da fundação do mundo, Deus já havia imolado o Cordeiro que levaria sobre si o pecado. Sendo que em cronos, isto só se tornou objetivo há pouco mais de 2 mil anos. Em outro lugar está escrito que para Deus, um dia é como mil anos e mil anos é como um dia. Então, as coisas que esperamos podem não acontecer no tempo que queremos, mas no tempo de Deus, como os religiosos costumam entender kairós.

O tempo medido em significados, não é exclusivamente de Deus. Muitas vezes podemos entender, quando percebemos que a oportunidade foi aproveitada, ou algo aconteceu quando deveria mesmo ter acontecido, ou como se algo era para ser... Outro exemplo é como algo nos marca tanto emocionalmente que é como se tivesse acabado de acontecer. Kairós é tudo ao mesmo tempo e agora, diferente da contagem linear de cronos 

Uma mãe que perde um filho, pode passar o tempo cronológico em 30 anos, mas sempre vai ter a dor latejando, como se a perda tivesse acabado de acontecer. Cada detalhe de suas memórias serão vivas, causando as mesmas sensações de novo e de novo.

Algo que nos fere, decepções, abandonos e vários outros traumas, porém permanecer décadas depois. Ou algo de muito bom pode perdurar e fazer bem novamente quando for lembrado.

Assim, a eternidade não é apenas um tempo sem fim, mas um tempo onde todas as coisas acontecem simultaneamente. Passado, presente e futuro são uma coisa só como uma grande tela em movimento. Ao passo que Deus te salva enxergando quem você foi, também te salva do que você ainda vai cometer no futuro como condição humana. Ele viu toda a sua história e te amou. 

Kairós é um tempo que não obedece fronteiras, são significados que nos moldam tanto com o que já passou quanto com o que esperamos. Penso que a fé é um instrumento valioso para dar significado a todas as coisas, processar que nada é por acaso e tudo acontece quando deve ser, pois se em cronos um dia haverá um ponto final, em kairós chegaremos onde devemos chegar e seremos quem fomos chamados para ser. Porque afinal, somos eternos e apenas estamos neste tempo e espaço.

sábado, 8 de março de 2025

ser o que sou

O que uma pessoa precisa ter e ser, para não ser acolhida? O que ela tem que ser para sofrer preconceito? Ser mulher, preta, pobre? Precisa ser mãe solo, resiliente, obesa? Precisa ser forte e independente para não tolerar abusos de nenhuma espécie? Precisa dar conta ao ponto de não aceitar menos do que merece? Então vai, você será exatamente assim. Não vai ser acolhida, nem amparada, nem respeitada, ainda assim se dará o respeito, amor e valor, porque o que você precisa vem de dentro. Solidão não existe pra quem gosta da própria companhia e o restante a fé te dá. Sua missão está traçada, seu destino desenhado, sua história é de superação. Suas limitações físicas e neurológicas nunca te impedirão de conseguir o que deseja, embora você seja desprendida do que é transitório e saiba que para onde voltarás, não precisa senão da tua essência. Poderia ser diferente? Sim, mas o resultado seria outra pessoa, mas eu gosto de ser esta.

café comigo



Chamei minha versão mais nova pra tomar um café.
Ela, disponível como é, aceitou correndo e trouxe pães recheados, biscoito frito, pão de queijo. Lembrei que ela sempre fazia isso quando visitava alguém.
Eu, dez anos mais velha, se puder escolher, prefiro evitar o desgaste de sair de casa, minha bateria social agora dura pouco, a paciência também, além da fadiga do corpo. Então fiquei encarregada do café e do suco. Assei um bolo com banana e canela, gosto de receber com a casa perfumada de coisas gostosas. Mas confesso que estava apreensiva. Visitar o passado pode ser desconfortável.
Ela chegou sorridente e com o abraço forte e demorado, com cheirinho de madeira em flor. Os cabelos escovados e bem maior do que os meus, que esperam ânimo pra receber uma tintura nas raízes. Ela viu nos meus olhos que algo se perdeu, mas ainda deu uma boa gargalhada, daquelas que todo mundo conhecia. Nunca imaginei que você ficaria assim, muito mais contida, menos expansiva, mas parece que não vive mais ansiosa.
Sim, agora percebo a energia da vida se esvaindo, sei que concluí muitas coisas que gostaria.
E os amigos, ainda encontra muitos deles? Não, uma vez ou outra no ano encontro dois ou três conhecidos. Mas eram tantos... Lembra dos banquetes, a casa cheia? Sim, acho que eles amavam mais a mesa do que nossa companhia... Hoje, vejo que alguns se encontram, mas já não me incluem. E se convido pra algum evento, dão desculpas e não vem. Uau... Achei que eram nossa segunda família. Pois é, parece que era um tipo de parentesco condicionado à mesma agenda e não ao amor. Puxa, você não voltou mais lá?
Não, fui muito ferida naquele lugar, não me senti bem quando fui visitar algumas vezes. Aproveitei que pararam de me convidar e sumi.
E aqueles mais próximos? Com esses nós contamos não é? Hum, olha é melhor você saber logo. Nem tudo é o que parece. Alguns só te usam por causa da sua generosidade. Sanguessugas tirando proveito. Faz o seguinte, pare um pouco de se doar. Logo começarão a se revelar. Outros, não te amam com reciprocidade. Mas não se sinta tão mal, são assim com os outros também. Estão alí pelo holofote, pela validação, confronta com a Palavra pra você ver, vai ganhar inimigos.
Logo você vai despertar desta ilusão, vai saber quem é quem, vai chorar, vai adoecer, vai até precisar de cirurgias por causa da somatização. Mas vai ressurgir mais forte e segura pra escolher melhor.
Entendi... E nossas realizações? Já podemos parar de trabalhar? Ainda não, mas falta pouco. Ainda aproveitamos para colocar ordem no caos das pessoas e aos poucos os sonhos vão se concretizando. Faz parte, né?
E coisas boas, não tem? Teeeem! Você não vai acreditar! Tem casa cheia de crianças, tem relações reconstruídas, tem família cada vez maior e mais unida.
E as lutas? Tem também, mas a vida é o kit completo, né? Tem lutas pra vencer todos os dias, mas Deus dá Graça. Até aqui nos ajudou.
Ouvi tudo com carinho e não sem dor. Mas só uma preocupação eu tenho: com tantas decepções, onde está Jesus na nossa vida?
Ah, Jesus! Se não fosse Ele eu não teria aguentado a decepção, o abandono, o luto. Jesus continua sendo minha suficiência e a razão da minha existência.
É só o que temos em comum, nossa fé?
Não, muita coisa mudou, quase não tem vestígio de você em mim, a não ser nossa essência que é o que de fato permanece. Ainda somos amor.
Então pelo que percebi, o processo é importante. Gostei muito de saber como estarei daqui há dez anos. 
Fica firme, a ilusão nunca é amiga. A desilusão dói, mas ter autonomia pra escolher crescer é pra poucos, essa visão panorâmica nos livra dos manipuladores. Eu não sabia que seria assim, mas estou feliz por você estar alguns degraus acima de mim.
Bora tomar o café, você é minha melhor companhia!

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

8 anos de saudades

O teu lugar em mim, será pra sempre teu
Por hora ecoa o silêncio da tua ausência 
Se busco na memória, dói tanto a saudade
E tento te encontrar na minha própria essência 
Quem sou, foi moldado por você 
Enquanto me ensinava a viver
Com os exemplos da própria vivência
 
O espelho me reflete e te reconheço 
Somos tão semelhantes e cada vez mais 
Até mesmo no jeito que eu jamais esqueço 
Ou apenas te continuo por te amar demais 
Se penso, atordôo com tanto vazio ao redor 
Se sonho te reencontro de formas surreais

Sinto falta de você, do cheiro e da voz
Sinto falta de mim quando éramos nós
Teu lugar é sempre teu no meu coração 
A saudade tem o tamanho do seu abraço 
O amor não morre, você tinha razão,
Ele nos unirá em outro tempo e espaço.
 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Por que Cristo?

Por que Cristo? Porque podendo me condenar, foi o único que me absolveu. Conhecendo quem sou nas mínimas coisas, jamais me abandonou. Enxergando meu passado, presente e futuro, é o único que realmente está comigo e habita em mim e eu nele. Como  criança atípica fui tão observada e reprovada, mas nunca enxergada de fato com minhas diferenças, tantas vezes anulada, parecia penoso demais carregar a culpa de ser quem era, mas venci meus desafios mesmo sem suporte. Sorte minha que alguém sempre dizia que escapei da morte por um fio porque Jesus me curou, de certa forma, isso me salvava do abismo, porque me sentia amada. Se Ele me curou, era porque eu não era ruim, Cresci, mas sem maturidade, sem desenvoltura, sem articulação para conversar, sem beleza, parecia que a alma não estava tão bem conectada com o corpo, parecia que eu teria que sempre me contentar com o pouco, parecia que o mínimo afeto era tudo o que eu teria, então aceitava, me submetia, relevava... Engravidei. Com isto tantos comentários desnecessários, olhares e risos, mas ao mesmo tempo eu agora tinha um norte. Eu tinha por quem viver. Já não me frustrava tantos abandonos, eu tinha medo do futuro, mas sabia de alguma forma que no fim daria certo. Me inseri em grupos que não me acolheram, nem ouviram, nem cessaram de me julgar. Até resolver que não dou mais legalidade pra ninguém decidir nada para mim. Abracei minha liberdade, acolhi quem sou e foquei em quem sempre esteve do meu lado. Os outros... Foram. Alguns não deveriam nem ter vindo. Jesus, está! Sempre esteve, sempre estará. Não como figura mística, mas como presença viva, que me ouve, supre e mostra por onde devo andar. Os dedos em riste, se existem eu não enxergo mais, tenho outras coisas pra me importar e pessoas pra cuidar. Jesus ressignificou minha vida.