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sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Coração mineral

Sabe o adolescente que acha que está pronto, acredita que seu tempo é que é o certo e as outras mentalidades são ultrapassadas? A maturidade emocional não está pronta, não há experiência suficiente, nem vivência, nem entendimento para ser sábio, é inconstante, é cheio de si, rejeita a direção, enfim, é uma fase que não tem a pureza da criança, nem o discernimento do adulto, vive na própria confusão e só reconhece seus iguais.

Em 2004 eu vivia uma fé assim. Uma meninice religiosa que julgava ser o jeito certo de se viver. Rígida demais comigo e com os outros, me enxergava como alguém que tinha alcançado já um patamar de conhecimento que me permitia julgar o mundo, apontar pecados, julgar tudo e todos. Pura cegueira e ignorância. Eu era fruto de um ambiente que me convenceu, mas não tinha um coração verdadeiramente convertido.

Jesus nunca quis isso pra mim, que eu me vestisse assim ou assado, decorasse jargões e versículos, tivesse meu nome num rol de membros e cumprisse cegamente todas as agendas da religiosidade, sem contudo exercitar a justiça, o amor, a misericórdia. Sem esses princípios tudo é nada, só resta hipocrisia.

E assim, enquanto eu andava sem tocar o chão, foi que capotei num tombo que me fez enxergar o quanto estava enganada ao meu próprio respeito. De uma hora para outra, eu já não me reconhecia, não queria viver, não queria estar com ninguém, não absorvia mais nada. Só queria ser esquecida dentro do estômago do peixe. Um pastor que se fez pai me disse: "Eu te entendo e principalmente Deus que sonda seu coração. Ele te ama e já te perdoou.". E chorando eu respondi que sabia disso, mas eu não merecia esse perdão. 

Pela segunda vez na minha vida, eu tive a oportunidade de enxergar minha condição. A primeira foi aos 20 anos, no chão da cozinha, quando reconheci minha miséria e me converti. E agora aos 32, eu de novo estava vazia, pobre e nua, carecendo miseravelmente ser alcançada pelo amor de Deus, enxergando inclusive que por mérito, eu sequer merecia ser chamada de filha. Voltei pra religião, mas não tinha quem me ensinasse a amadurecer. A religião tem o poder de iludir o homem a pertencer a um grupo de privilegiados, mas a verdadeira conversão acontece junto com a consciência de saber quem sou sem Cristo e quem posso ser em Cristo. Não foi atoa que a Graça me alcançou no pó.

Assim fiquei até 2006, quando comecei a ter contato com a internet e Deus foi providenciando encontros com gente de todos os lugares, mentalidades, crenças, me forçando um despertamento e expandindo as possibilidades de aprender, desconstruir, reconstruir e formar uma fé sólida e madura.

Em 2007 foi quando conheci blogues e fóruns, onde esmiuçando assuntos diversos eu mergulhei além da letra e conheci de verdade a fé que eu professava há anos. Minha sede era tanta, que até assustei algumas pessoas, era como uma explosão que interfere em tudo ao redor. Alguns passaram com um tanque em cima de mim, outros são meus amigos até hoje e me respeitam. Mas era um caos necessário, quando vejo o quanto amadureci, constato que Deus sabe trabalhar numa vida. Nessa época comecei a registrar minhas ideias aqui e é possível ver a metanoia acontecendo.

Um coração de pedra não está dentro de quem não enxerga um palmo diante do nariz, mas naquele que coloca suas crenças acima da vida do próximo. Não tem nada que seja mais desumano do que o orgulho de "servir direito". Gosto de dizer que as trevas e a luz artificial cegam igualmente.

Paulo foi de religioso perseguidor à servo perseguido e considerou o que achava saber como esterco. Eu sou tão menor que Paulo que se dizia o principal pecador... Embora eu saiba que um coração quebrantado e contrito agrada mais a Deus do que qualquer bravata, vide a parábola do fariseu e o publicano que subiram a Jerusalém para orar. A gente sempre tem alguma coisa para aprender e velhos conceitos para despir.

Ainda fiquei do lado de dentro até 2015, mas com a postura de tentar trazer alguns à consciência. Em vão, porque as coisas simples escandalizam. E para desconstruir a religiosidade, é preciso sair dela. Então resolvi me desligar.

É ao pequenino que Deus escolheu se revelar. Para ser cheio de Deus, é primordial esvaziar-se de si. Olhar o próximo sem acepção, sabendo que Deus  encerrou a todos na desobediência para usar de misericórdia com todos. Não há humano em patamar superior, todos carecemos miseravelmente do Salvador, tanto os de fora quanto os de dentro.

Uma hora as coisas de meninos tem que ficar para trás.

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