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terça-feira, 23 de junho de 2020

Gris




Lá se foram seis meses que resolvi parar de tingir os cabelos e três que aproveitando a raiz natural, passei a máquina dois, eliminando de uma vez por todas o que ainda me tirava a liberdade. Algumas pessoas me chamaram de corajosa, talvez por lembrar das minhas madeixas fartas, escovadas e escuras. Fiquei "Joãozinho" e descobri que meus cabelos não são tão brancos quanto imaginava. Tem mechas mais claras nas laterais e uma mais escura na frente, enquanto no restante são cinzas. Me descobri aos 48 anos e parece que ao redor tudo também mudou.

Fico pensando que assim como todo e qualquer preconceito, tentam nos culpar por ser quem somos. Explicitamente ninguém me criticou, mas os silêncios falam. Também tive poucos elogios, mas quando algo nasce de dentro para fora, as opiniões são desnecessárias. Enquanto os olhares perguntam o que estou fazendo comigo, eu descubro que meu cabelo não é tão ressecado e fraco como pensava. Era a tinta que mudava toda a textura e resistência dele. Ele é de verdade macio, brilhoso, farto e forte. Olho no espelho e penso: essa sou eu.

Se eu fosse dependente de aprovação, não faria a transição. Se a velhice me causasse medo, não iria grisalhar, porque sou chamada de dona e senhora com muito mais frequência do que quando meus fios eram encapados com tinta. Não preciso de coragem pra ser quem sou, apenas deixar a natureza agir. Até porquê, já enfrentava o preconceito por ser mulher, pobre, solteira, mãe e avó, obesa e por expressar minhas opiniões nas redes, blogue, YouTube sobre religião. Não seria uma característica e cor nova que iria me intimidar.

Não, cabelos grisalhos não são desleixo, depressão ou preguiça. É apenas a libertação dos conceitos que nos impõem, porque ninguém tem que se encaixar em fôrma nenhuma. Transição concluída com sucesso!