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quinta-feira, 29 de março de 2018

A dor de crescer

Para que o fruto de uma árvore seja saboreado, é necessário que uma semente morra e dê origem à uma nova árvore e que com o tempo ela floresça e depois frutifique. E por último é necessário que o fruto amadureça, só então o ele estará pronto para ser saboreado. O novo fruto está alí, mas para trás ficou todo o processo e ninguém pensará naquela semente de origem, enquanto se alimenta do fruto. Quantos e quantos ciclos como este acontecerão, sempre deixando para trás a vida de uma semente?

Cada vez que se gera uma vida, ficou para trás uma menina, uma mulher, um homem. Não apenas nasce uma criança no mundo e com ela a nova mãe, mas morre toda uma estrutura já estabelecida. 

Me lembro bem que depois do parto, antes mesmo de me recuperar das dores físicas, me entregaram meu filho nos braços e foi um misto de sentimentos: eu estava encantada com a beleza e perfeição, mas sabia que alí nascia um laço pra toda a vida, uma responsabilidade que jamais me deixaria e aos vinte anos, eu estava com muito medo do que viria pela frente. Morria a minha inocência, minha condição de menina, minha liberdade pra escolher uma realidade diferente daquela. Nascia uma adulta com um pedaço a menos da alma para que a vida a completasse. Nascia aquela que pra sempre teria que priorizar o outro, porque ser mãe nem sempre é um mar de rosas. 

No meu caso, a sensação de tristeza constante, vez ou outra uma depressão mais consistente, acontecia ao deparar com a longa caminhada de declives e escaladas concernentes à realidade. Separação, desemprego, mudança de Estado, falta de estrutura... tudo para chegar no patamar que estou hoje. Ganhar experiências dói pra caramba.

Durante toda a vida passamos por várias situações de lutos enquanto crescemos e ganhamos experiências. Para ser alguma coisa, sempre deixamos de ser outras ou sempre deixamos outros cenários para trás e isso dói. 

Sem contar as mudanças interiores, onde deixamos constantemente um pedaço da crosta do "si mesmo" que nos envolve, para que o âmago valioso se apresente ao mundo. Geralmente para a parte preciosa ficar aparente, a lapidação vem através de decepções, abusos, perdas, disputas, dores que fazem parte desse crescimento.

Recentemente, ao mesmo tempo que perdi minha mãe, me tornei avó. Senti bruscamente a morte também da filha, enquanto boa parte da mulher interior também se foi. Se antes eu me via como mãe e filha, agora me vejo como mãe e avó, entrando no climatério e sem tanta energia para novas escaladas e declives. Entrei num ritmo de caminhada lenta e mais suave, sem grandes expectativas e sem tanto investimento de energia.

Olho para trás e já não lembro muito bem onde deixei aquela menina sonhadora e pueril. Não sei onde foi parar a mulher romântica e cheia de sonhos, sei que fui boa filha até o final, mas lá se foi o primeiro ano de separação da minha mãe e as lembranças começaram a ficar embaçadas. Pra ser quem sou hoje, quantos lutos foram necessários? Quem sente falta da menina, mulher e mãe que fui. Hoje sou avó, isto é o que sou. E acho que ser avó é a melhor coisa da vida, mas algo dentro de mim deixou de existir para que essa nova realidade florescesse. 

Como amiga, sempre fui muito intensa e entregue. Perdi a conta de quantas vezes me prejudiquei para poder ser útil à alguém. Mas com o tempo, percebi o quanto tonta era, ao acreditar que a recíproca era sempre verdadeira e que as pessoas me enxergavam com o mesmo olhar que eu as enxergava. Depois de muitas traições e abusos, hoje sou muito mais maliciosa na hora de me aproximar de alguém. Estou sempre me resguardando para não reviver as mesmas situações. Ganhei amor próprio, mas perdi aquela capacidade de confiar no ser humano.

Sim, nada na vida é sem dor, a felicidade e a infelicidade são momentos que andam juntos. Ora um sobressai, ora outro, mas estão sempre acoplados um ao outro, apesar da ilusão de alguns.

Assim, aos trancos e barrancos a gente morre um pouco a cada dia para esta natureza corrompida, enquanto uma nova natureza vai sendo edificada. Um dia seremos nova árvore, daremos novos frutos, recomeçaremos plenos e completos. Mas até lá, nada será sem luto.


A vida dói, sempre dói. Então, você contorna a dor na esperança de extingui-la. Mas ela ainda está lá e sempre estará, até que você a encare e passe por ela... depois junte os cacos e veja o que te espera na página seguinte. Talvez um período de trégua, talvez uma nova crise e mais dor.

É isso o que nos humaniza e aperfeiçoa. É assim que nos unimos e nos tornamos o mesmo corpo. Amadureça para esta realidade, porque a capa de ilusão cobre a fraqueza, mas a conscientização da nossa condição nos aproxima de Deus, que nos fortalece.