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sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Sobre o vício de sofrer

Sabemos que a felicidade é um estado utópico. Uma pessoa madura, já entendeu que tanto a felicidade quanto a infelicidade caminham juntas, porque são meros momentos. Não é possível estar pleno num mundo cheio de contingências, onde qualquer imprevisto pode aniquilar com a calmaria. Onde a paz pode ser interrompida de uma hora para outra. Além do que, ninguém consegue estar suprido em todas as áreas da vida ao mesmo tempo, ou este mundo seria perfeito e nossa esperança no porvir seria em vão. Pra que um Salvador, se não vivemos inseridos na corrupção? Pra que a restauração de todo o sistema, se houvesse a possibilidade de estarmos 100% satisfeitos nesse? Sempre haverá declives e escaladas, quedas e muito esforço na caminhada.

Mas essa consciência à parte, estamos tão habituados com as adversidades que encontramos na vida, que alguns de nós simplesmente se viciam em carregar fardos desnecessários. Ultimamente observo alguns comportamentos e só posso lamentar a dificuldade de alguns para administrar a própria liberdade, a vida abundante que já receberam e a cegueira pras coisas óbvias. Se apegam tanto à dor, que o sofrimento passa a fazer parte de suas vidas. Drummond tem uma frase famosa que diz: "A dor é inevitável. O sofrimento é opcional". E de fato, não podemos prever as dificuldades que vamos enfrentar, embora na maioria das vezes são colheitas do que nós mesmos plantamos. Mas permanecer no sofrimento, pode ser uma escolha inconsciente.

Já ouviu dizerem que o filho mais protegido, se torna o filho mais fraco? Porém, soterrado debaixo da aparência de cuidado, tem uma mãe viciada em ser o suporte do filho problemático. Ela estará sempre pronta a socorrer o filho que será sempre reincidente. E só encontrará função pra própria vida, enquanto o filho estiver precisando dela, dependendo de seu socorro. Inconscientemente, ela encontrará uma forma de conservá-lo sempre na posição de dependente. E alimentará sua vaidade de "boa mãe" em cima da imaturidade e fraqueza do filho. Alguns se compadecerão dela e odiarão o filho, mas aos seus próprios olhos, ela está fazendo o bem. Se porventura o filho conseguir se virar sem ela, sofrerá da síndrome do ninho vazio. Está viciada em carregar fardos insuportáveis nos lombos, em troca de um suposto valor.

Observo também o caso da mulher que reclama da vida, da saúde, do lugar onde vive, do cansaço, da distância, da solidão, das dificuldades, do abandono, da falta de ânimo... mas não aceita opinião, nem conselhos, nem solução vinda de fora. Sob a ilusão do "eu escolho, eu me viro, eu quero assim", perpetua a própria insatisfação e seu vício em reclamar da vida. Na verdade qualquer sugestão é encarada como invasão. A impressão é que está tão habituada com o sofrimento, que não vai saber lidar com a paz, a companhia, o ambiente melhor. Prefere a ilusão de autonomia, do que se deixar ser ajudada. E o "seu" sofrimento, será sempre seu.

Tem também a moça que terminou o relacionamento, achando que o rapaz ficaria insistindo em reatar. Quando viu que o rapaz não lutou, nem insistiu, nem quis voltar, se descobriu apaixonada e passou a nutrir um sentimento que ficou mal resolvido na alma e adoeceu o corpo. Se antes o pequeno problema podia ser resolvido com bom senso, depois o sofrimento afetou uma família inteira. Se justifica dizendo que tem pavio curto o que fatalmente trará frustração em outros relacionamentos, já que é algo que ela "tem". Enfim, são exemplos corriqueiros, comportamentos que se repetem, só pra ilustrar o que estou dizendo. 

Dizem que a depressão é algo físico, porque há uma baixa na serotonina, hormônio do humor. Mas penso que é justamente o contrário. A depressão é resultado do sentimento de impotência, que se torna autocomiseração e provoca a baixa da serotonina, fazendo a pessoa se entregar ao abismo que a atrai. É uma doença psicossomática, causada por uma dor na alma que não é resolvida e evolui para uma doença no corpo e na mente.  O mal do século não é outra coisa, senão pena de si mesmo por achar que não merecemos o sofrimento. Mas que sofrimento? Aquele que também não queremos nos livrar. Ou simplesmente não reagimos e nos entregamos a ele.

A vida tem sim os seus obstáculos, mas nós temos a responsabilidade de escolher o melhor para nós e para os que nos cercam. Há tempo para chorar, sorrir, plantar, colher, se achegar, se afastar... enfim, viver é o conjunto de tudo e saber viver, é tirar proveito de tudo. Está bom? Ficamos. Não está bom? Mudamos. Precisou? Estamos disponíveis. Rejeitou ajuda? Nos retiramos. Errou conosco? Perdoamos. Não aceitam nosso amor? Há quem necessite dele. A vida pode ser muito mais leve. A dor é inevitável, mas o sofrimento será sempre opcional.