Páginas

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Negar-se




Quem não tem estrutura para lidar com a condição humana, precisa ir viver entre os querubins e serafins, para ouvir continuamente "Santo, Santo, Santo". Porque enquanto estivermos encerrados em carne e sangue, haveremos de lutar diariamente contra nossa própria natureza, que mesmo domada, não deixa de ser.

Sou uma cristã que de fato vivo o que prego. A consciência do Evangelho me acompanha desde a hora em que acordo, até a hora em que durmo e não há o que eu faça, que não seja sabendo que Deus está dentro de mim.

Mas tem coisas que não faço, porque perderam o lugar na minha vida e já não são. Outras, não faço, porque não me convém, embora eu ainda as perceba como vontades. E algumas, ainda não consegui mortificar, embora saiba que preciso.

O domínio próprio é um dos atributos do fruto do Espírito. Mas ele só existe, porque há o que ser dominado. Então, alguns podem pensar que minha carne não está subjugada pelo espírito, mas creio eu, que se a carne prevalecesse, eu não estaria confessando, mas praticando o que ela pede. Sou tranquila neste quesito, vivo um dia de cada vez.

Não sou uma pessoa andando sem rumo, eu tenho um alvo. Tudo o que mais desejo é alcançá-lo e ser cada vez menos parecida comigo mesma, e mais parecida com Cristo. Foi para seguí-lo que fui chamada e para praticar seus ensinamentos. Esta é a razão da minha vida, é o que me motiva, é meu maior bem.

Mas esta consciência não me anula como ser humano. Não nutro a ilusão de que minha carne vá deixar de ser, clamar, gritar e lutar para ditar suas exigências. Sem sombra de dúvidas, eu a reconheço diariamente e sei de cada uma das suas investidas. Só não lhe dou essa confiança e ela perde espaço nos meus pensamentos, ações e escolhas.

Embora eu saiba que não posso escolher o que vou desejar, posso escolher com o que vou ocupar meus pensamentos. Buscando as coisas do Alto, tudo o que é concernente à mim mesma, diminui.

Não tenho muito pudor em falar à respeito do que sinto, sou e vivo. Às vezes me calo, por perceber que alguém não tem alcance para compreender a dualidade do nosso ser. Quando começam com "não penso, não faço, não toco" a santarrice já me faz entender que não é um coração receptivo a acolher. Mas se lido com gente madura na fé, nos confessamos mutuamente e nos ajudamos em oração.

Já houve tempo em que eu achava que era imune e não exercia misericórdia com cristãos que pecavam. Era uma evangélica imatura e cheia de mim. Depois, fui ensinada à duras penas, que ainda sou pó e que o mérito nunca foi meu. Me reconhecer e saber o que sou, é render à Cristo e sua Graça, todo o mérito por me sustentar.

Prefiro ser julgada pelos homens, à ser achada hipócrita diante de Deus. Porque quando me interiorizo para orar, minha alma se apresenta nua. Eu não tenho como esconder Dele as minhas imperfeições. Ele me vê, tal como sou. E enxergando minha alma do jeito que é, jamais a desprezou. 

Então, falo sem o menor constrangimento, que aquilo o que antes fazia porque gostava, continuo gostando, mesmo que não faça. Porque viver no Espírito, não é sofrer um estado de amnésia ou dormência da carne. Ela continua sendo e continua lutando para prevalecer.

É diferente a experiência de quem sempre viveu dentro dos padrões e a de quem viveu à margem. Sou uma privilegiada, no sentido de conhecer meus limites e saber muito bem do que sou capaz. Minha vida poderia render um testemunho lindo, se não fosse escândalo para gente infantilizada no Evangelho. 

Lembram que Jesus falou sobre o maior amor ser o daqueles que receberam o perdão da maior dívida? Isso depende mais da consciência da impotência do que pelo tamanho da dívida em si. Eu não me justifiquei, apenas reconheci minha miséria e diante do perdão, não me resta outra alternativa, senão amar Jesus com todo o meu coração.

Deus tem me dado Graça e eu tenho dominado a carne. Não por medo de ser cortada fora, mas porque o amor de Deus me constrange e me move à buscar Sua Vontade e negar a minha.

Eu conheço a Misericórdia de Deus. Eu sei o que é cometer o que os homens abominam, sei o que é padecer por consequência de meus erros. Contudo, o Senhor, me sondando e sabendo do material de que sou feita, me acolheu. Não me desprezou, secou meus olhos e revelou-se ainda mais. Porque a Misericórdia com que me recebeu, deu-me-a como dom, para acolher quem está em pecado. Me reconhecer, foi como cair pra cima. Me humilhei e fui exaltada.

Portanto, se escolho me negar, não é porque deixei de ser quem fui. Mas estou em Cristo e é a Seiva Dele, que me vivifica, me impulsionando à diminuir, para que Ele cresça.

Nenhum comentário:

Postar um comentário