Como as parábolas de Jesus, que revelavam as coisas espirituais fazendo alusões com coisas e situações do cotidiano dos ouvintes, creio que em toda a Bíblia, Deus usa de linguagem metafórica para revelar o Evangelho e apontar para Cristo. Não diferente disto, leio a narrativa da criação, como se estivesse ouvindo uma poesia cheia de figuras com mensagens claras sobre a humanidade e não apenas literalmente sobre o que aconteceu com Adão e Eva.
Vejo sim um menino empolgado escolhendo nomes para os animais e conversando com Deus como um amigo íntimo. Vejo-o entristecer por causa da solidão como quem entra na adolescência com suas crises existenciais. Vejo-o tão apaixonado, que prefere fazer a vontade da mulher do que obedecer à Lei que recebeu. Vejo-o na idade da rebeldia, perder a inocência diante da árvore do conhecimento do bem e do mal, onde pretendeu ser igual à Deus, negando-lhe o centro de sua vida. Vejo-o envergonhado por se enxergar nú, como quem reconhece que nada é seu. Vejo-o acusando a mulher, como quem tenta se esquivar das responsabilidades de ser quem é. Escondido como quem deve, amedrontado pela certeza de ter consequências à colher, resignado com a sentença de perder os privilégios, imerso na condição de pecador para sempre. Nada diferente de cada um de nós, que em certa fase da vida também se rebela, escolhe e colhe as consequências do que plantou.
Cada um de nós é tentado pela própria concupiscência. O que nos seduz, está fincado na nossa carne como o espinho que Paulo descreveu e milita contra nosso espírito.
O trabalho da "Serpente" não foi outro, senão despertar no homem, sua cobiça, sua concupiscência, seu ego. O que nos seduz, é algo que já está estabelecido pelos nossos desejos mais íntimos. O mal se apresenta com a aparência de bem, mas é sempre um desastre.
Pois bem. Já li e ouvi inúmeras pregações à respeito da queda humana, sempre muito superficiais. Fica sempre no ar, um quê de injustiça, pois a humanidade herdou tudo o que há de mal, à partir da rebeldia de dois adolescentes que não sabiam discernir por não terem experiência alguma e uma figura astuta passou-lhes a perna (por isso as perdeu haha).
Mas se formos um pouco mais atentos para o fato de que o mal já havia (lembram da Árvore do conhecimento do bem e do mal?) e que a Serpente foi certeira ao seduzir o casal, dizendo que eles seriam iguais à Deus, constataremos que a arrogância foi tamanha, quando as criaturas desejaram usurpar um atributo que pertencia ao Criador. E uma ofensa à um ser Eterno, tem no mínimo consequências eternas.
Conhecedor de todas as coisas (lembram que a redenção estava em seus planos antes da fundação do mundo?) a pergunta "Onde estás?", serviu para que o homem se enxergasse longe da vontade de Deus. Cada vez que um homem se afasta do centro da vontade de Deus, esta pergunta lateja em sua consciência e por isso todos são inescusáveis (Rom 1:20). Obviamente Deus sabe onde cada um de nós está, mas nossa resposta, pode ser um despertamento para arrependimento.
A parte mais bonita que vejo nesta narrativa, é o gesto de amor que Deus tem, quando providencia-lhes vestes que cubram sua vergonha. Porque isto acontece após o homem reconhecer sua nudez e recebe perdão através do sacrifício de sangue. Apesar do casal colher as consequências de seu erro, vejo que o amor de Deus é o mesmo, cobrindo-lhes de misericórdia.
Para mim, apesar do pecado ter entrado no mundo por meio de um, cada homem responde por si. Todos nascemos com esta terrível tendência à escolher nossa própria vontade, em detrimento à vontade de Deus. E o auto domínio só é possível por meio da mortificação do ego. O negar-se tão aconselhado por Jesus.
Não sei se Adão tinha umbigo (:P) mas com certeza foi egocêntrico. E o homem que se coloca no centro e vê a vida a partir do próprio umbigo, é incapaz de viver o amor, que não visa o próprio bem, mas se manifesta sempre na direção do outro.
Não, não consigo crer que tenha acontecido algo que tenha fugido do controle de Deus. Aconteceu justamente o que deveria acontecer, para que o homem se enxergasse como é e entendesse sua dependência do cuidado, misericórdia e amor o tempo todo. Assim como a Lei veio depois mostrando que não havia um justo sequer, para revelar a necessidade do Salvador mediando a nossa causa.
Tudo perfeito, tudo fazendo parte do plano eterno da Salvação. As sementes morrem para que a vida ressurja nas árvores e possam frutificar, plenas. Somos as sementes do que seremos na eternidade.
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