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sábado, 8 de março de 2025

café comigo



Chamei minha versão mais nova pra tomar um café.
Ela, disponível como é, aceitou correndo e trouxe pães recheados, biscoito frito, pão de queijo. Lembrei que ela sempre fazia isso quando visitava alguém.
Eu, dez anos mais velha, se puder escolher, prefiro evitar o desgaste de sair de casa, minha bateria social agora dura pouco, a paciência também, além da fadiga do corpo. Então fiquei encarregada do café e do suco. Assei um bolo com banana e canela, gosto de receber com a casa perfumada de coisas gostosas. Mas confesso que estava apreensiva. Visitar o passado pode ser desconfortável.
Ela chegou sorridente e com o abraço forte e demorado, com cheirinho de madeira em flor. Os cabelos escovados e bem maior do que os meus, que esperam ânimo pra receber uma tintura nas raízes. Ela viu nos meus olhos que algo se perdeu, mas ainda deu uma boa gargalhada, daquelas que todo mundo conhecia. Nunca imaginei que você ficaria assim, muito mais contida, menos expansiva, mas parece que não vive mais ansiosa.
Sim, agora percebo a energia da vida se esvaindo, sei que concluí muitas coisas que gostaria.
E os amigos, ainda encontra muitos deles? Não, uma vez ou outra no ano encontro dois ou três conhecidos. Mas eram tantos... Lembra dos banquetes, a casa cheia? Sim, acho que eles amavam mais a mesa do que nossa companhia... Hoje, vejo que alguns se encontram, mas já não me incluem. E se convido pra algum evento, dão desculpas e não vem. Uau... Achei que eram nossa segunda família. Pois é, parece que era um tipo de parentesco condicionado à mesma agenda e não ao amor. Puxa, você não voltou mais lá?
Não, fui muito ferida naquele lugar, não me senti bem quando fui visitar algumas vezes. Aproveitei que pararam de me convidar e sumi.
E aqueles mais próximos? Com esses nós contamos não é? Hum, olha é melhor você saber logo. Nem tudo é o que parece. Alguns só te usam por causa da sua generosidade. Sanguessugas tirando proveito. Faz o seguinte, pare um pouco de se doar. Logo começarão a se revelar. Outros, não te amam com reciprocidade. Mas não se sinta tão mal, são assim com os outros também. Estão alí pelo holofote, pela validação, confronta com a Palavra pra você ver, vai ganhar inimigos.
Logo você vai despertar desta ilusão, vai saber quem é quem, vai chorar, vai adoecer, vai até precisar de cirurgias por causa da somatização. Mas vai ressurgir mais forte e segura pra escolher melhor.
Entendi... E nossas realizações? Já podemos parar de trabalhar? Ainda não, mas falta pouco. Ainda aproveitamos para colocar ordem no caos das pessoas e aos poucos os sonhos vão se concretizando. Faz parte, né?
E coisas boas, não tem? Teeeem! Você não vai acreditar! Tem casa cheia de crianças, tem relações reconstruídas, tem família cada vez maior e mais unida.
E as lutas? Tem também, mas a vida é o kit completo, né? Tem lutas pra vencer todos os dias, mas Deus dá Graça. Até aqui nos ajudou.
Ouvi tudo com carinho e não sem dor. Mas só uma preocupação eu tenho: com tantas decepções, onde está Jesus na nossa vida?
Ah, Jesus! Se não fosse Ele eu não teria aguentado a decepção, o abandono, o luto. Jesus continua sendo minha suficiência e a razão da minha existência.
É só o que temos em comum, nossa fé?
Não, muita coisa mudou, quase não tem vestígio de você em mim, a não ser nossa essência que é o que de fato permanece. Ainda somos amor.
Então pelo que percebi, o processo é importante. Gostei muito de saber como estarei daqui há dez anos. 
Fica firme, a ilusão nunca é amiga. A desilusão dói, mas ter autonomia pra escolher crescer é pra poucos, essa visão panorâmica nos livra dos manipuladores. Eu não sabia que seria assim, mas estou feliz por você estar alguns degraus acima de mim.
Bora tomar o café, você é minha melhor companhia!

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