De novo, vou falar um pouco à partir da tricotomia, para dar introdução ao que vamos conversar.
O Corpo funciona como uma extensão do outro. Fisicamente, somos uma coisa só, uma matéria só. Pra melhor entender, pense que com a mesma facilidade, um corpo passa ao outro tanto doenças, quanto consolo num abraço, quanto prazer na cópula. Uma carne se completa na outra, uma carne continua a outra como uma imensa corrente. Calor humano é acolhimento e a ausência dele, causa muita dor. Sentimos falta desses encontros, mesmo que venham com atritos, pois são mesmo os toques que vão aparando nossas arestas. É necessário que o corpo esteja se relacionando com outros, experimentando por meio dos sentidos, aquilo que a natureza traz como testemunho da criação.
A Alma já é mais seletiva. Um grupo pode conseguir acompanhar meu pensamento e assimilar parte do que quero transmitir e pra isso é necessário afinidade. Mas um não pensará exatamente como o outro, porque as questões que movem um ser, não são idênticas para todos. Vai depender da história, da experiência de cada um. O raciocínio é independente, mesmo que o laço de afeto exista, mesmo que haja um bom diálogo. Aprenderemos algumas coisas juntos, mas cada um perceberá a vida a seu modo. Concordamos, divergimos, discutimos, queremos prevalecer com nossas ideias. Nos unimos à um por laços de afeto e nos afastamos de outros, de acordo com a "liga" que acontece ou não.
O Espírito não. É o religamento entre Deus e o homem. É particular, pessoal, exclusivo, completamente independente do que acontece com os outros. Do início ao fim, é você e Deus. Cada um avança em seu próprio ritmo e a liberdade para se ampliar, depende dos obstáculos e bloqueios que cada um forja para si. À medida que subimos os "degraus" nessa estatura que buscamos, vemos as coisas com mais clareza e nitidez, posto que mais achegados à Luz, todas as coisas são reveladas e nada permanece oculto.
O Evangelho realiza no homem, uma espécie de harmonização. Ninguém precisa escolher anular parte alguma, nem mesmo a carne, tão marginalizada. Um homem íntegro, não pode viver por aí sem seu corpo, não pode anular sua capacidade de raciocinar e não pode viver sem o impulso que o faz buscar a Deus, mesmo que ele não compreenda que o vazio que o consome, é justamente este canal partido.
O que a Boa Nova propõe, é que o homem chegue à um grau de crescimento, que o permite dominar seu próprio corpo para que não se deprecie e se destrua. Que ele consiga direcionar seus pensamentos e relações, de modo que o ego seja mortificado. Que ele possa assimilar tanto a revelação de Deus, que consiga avançar em amor. A revelação bíblica é uma espécie de educação, que possibilitará ao homem de boa vontade, deixar de ser semente para finalmente germinar, crescer e dar frutos.
A Eternidade é a assinatura do Criador, em sua criatura. É algo que nossa mente não assimila por motivos óbvios, mas que nosso espírito intui porque está estreitamente ligado ao plano global de Deus para a humanidade. Crescer, ampliar cada vez mais esse desejo, nos traz a consciência de quão ínfima é nossa realidade, de quão pequena é nossa perspectiva, quando estamos encerrados na condição humana.
Mas à medida em que o Mistério se desvenda, se revela, se relaciona conosco, é possível entender o simbolismo bíblico, que retrata o homem na sua condição mais vil, mais egocêntrica, mais vazia do desejo de relacionamento com o Criador. Quando diante de uma única Lei, a infringe para que seu ego prevaleça. O homem diante da promessa de ser como Deus e conhecer todas as coisas, cobiça o poder, deseja usurpar um status que pertencia a Deus. E diante da culpa se esconde, se envergonha e responsabiliza ao outro.
Se o primeiro Adão revela o homem em sua condição mais medíocre, Jesus faz o caminho inverso, negando sua própria vontade para acolher a Vontade do Pai, mortificando completamente qualquer raiz de ego, frutificando excelentemente o Amor e sendo Perfeito. Tendo todo poder se esvazia, sendo digno passa a maior vergonha que um homem poderia passar e sendo inocente, aceita em si a culpa dos homens.
Se eu pudesse desenhar um esquema que ilustre a caminhada cristã, que vai do egocentrismo, a condição mais medíocre, até a plenitude, quando conseguimos nos negar em favor do outro, seria mais ou menos assim:
Adão/Ego em uma extremidade, Cristo/Amor em outra. Uma reta transversal como uma subida, onde o homem sai de Adão e avança na direção de Cristo. Paralelamente, vários devios, ilusões, ofertas, tentações, mas à frente o alvo almejado. O homem tem um quadrado acima da cabeça simbolizando a alma e todas as suas informações e acima dela uma grande antena, que conecta o peito às ondas de revelação.
Se o homem avançar à ponto de viver à partir do seu espírito, saberá se conduzir pelo Caminho, sem desviar nem para a esquerda, nem para a direita, até chegar à estatura do varão perfeito. Se viver à partir da alma, tudo o que terá será temporal e limitado à esse sistema. E se viver à partir do corpo, agirá por instinto e se destruirá.
As religiões se transformaram em distração para alma, com tantas regras, liturgias, convenções. E entretenimento para o corpo, mas pouco contribuem para que o homem se relacione com Deus. Essa busca é pessoal e intransferível.
Se alcançarmos o equilíbrio, o auto domínio, buscando a Deus e Sua Vontade, mesmo que as circunstâncias sejam desfavoráveis, a esperança nos motivará a continuar neste propósito. E na consumação de todas as coisas, estaremos finalmente prontos para realizar em Cristo, as obras mais sublimes do Universo.
Olhe para o Universo e perceba para que obra maravilhosa você foi chamado! Um dia, a Terra já foi sem forma e vazia...