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quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Tentando entender essa viagem 2

Sempre me considerei e me consideraram uma pessoa tímida, introspectiva, excessivamente calada, mas não chamava muita atenção como algo anormal e eu mesma achava que com o tempo as coisas aconteceriam naturalmente. Eu estudaria, depois conheceria alguém que meu coração reconheceria e então me casaria, teria filhos, trabalharia, como se a vida seguisse por um trilho. Nunca pensei na possibilidade de alguma coisa não dar certo, teoricamente eu só precisaria observar o tempo para reconhecer o momento certo de tomar as decisões.

Porém a adolescência chegou e eu ainda era criança. Brincava com meninas com a metade da minha idade enquanto as que tinham a minha idade, já tinham outros interesses. Sempre fui muito infantil e imatura, o corpo se desenvolveu muito antes do emocional. Na verdade a vida me deu um empurrão quando as coisas começaram a sair dos trilhos. As primeiras paixonites frustradas, a morte do meu pai, a falta de dinheiro, a traição do primeiro namorado, a incapacidade de me abrir, a dor de não ter apoio, a solidão, a depressão... Novas tentativas, a gravidez inesperada, mais frustrações, mudança de Estado, as idealizações ficando pelo caminho, a consciência do preconceito das pessoas e depois me enxergar como uma pessoa neurodiversa, apesar de nunca ter tido direito a um diagnóstico.

A vida me arrancou da ilusão da menina sonhadora e arregalou meus olhos para a desconstrução. Não, a vida não segue um roteiro. Não tive os filhos que sonhei, com o marido que amei, não terminei os estudos, não construí uma carreira, não escolhi a religião que me desse respostas, não tive a reciprocidade que merecia nas minhas amizades. Entre um relacionamento abusivo e a solidão, preferi focar em criar meu filho, construir minha casa, aceitei os empregos que apareceram, aceitei migalhas de todas as partes de amigos atraídos pela minha utilidade e não trocas leais. Com o tempo me afastei de tudo e de todos, blindando o coração para evitar novas frustrações.

Fui uma mãe possível, sobrecarregada pela ausência do pai, acertando e errando mas sempre amando e priorizando. Ainda assim sendo cobrada por poder muito pouco, atravessei a adolescência do meu filho ouvindo muitas coisas que não merecia. Em certo momento, escolhi acreditar em novas mentiras e achei que estava reatando meu relacionamento, meu filho merecia que eu tentasse, mas isso me rendeu dores maiores ainda, um aborto espontâneo e mais receio ainda de me relacionar.

Depois me afastei também dos falsos amigos, preservando uns poucos que vejo esporadicamente. Também pus um basta na prática religiosa, que mais causa repulsa pelas atitudes dos adeptos do que dá alívio a alma.

Ora, hoje vejo a vida como quem pode escolher o que quer experimentar. Não esperando nada, sou grata por tudo. E graças a Deus o mundo gira pra todos e o tempo estreitou meus laços de afeto com meu filho, que me deu netos e que suprem minhas necessidades de troca. Por último resolvi não dar meu sangue para ter retorno financeiro. Aprendi viver com pouco para não perder a dignidade e tem dado certo.

Olho para trás enxergando o tanto de escaladas que já enfrentei, o tanto que me superei e o quanto cresci a duras penas. Na frente apenas minha fé, o alvo onde quero chegar quando essa viagem acabar. Consciente de que sou apenas um instante e logo passo.

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