Juntos davam o sangue para que nada nos faltasse. Ele, apesar do regime militar, era muito leve na vida, feliz, brincalhão, cozinhava coisas gostosas pra nós, levava pra passear e aliviava quando minha mãe que era rédea curta, queria nos segurar. Ele incentivava que a gente namorasse, saísse, se divertisse e fizesse tudo o que era próprio da nossa idade, era militar e cristão, mas também era coerente na nossa educação.
Minha mãe ficou mais suave depois que ficou viúva e com o passar dos anos também ficou leve e foi nosso porto seguro. Até hoje que já não os temos, contamos uns com os outros. Eles sabiam separar as coisas, eram pais presentes e amorosos, tinham autoridade, mas também reconheciam nossa individuação. Nos ensinaram a respeitar as diferenças, os espaços de cada um, sabemos viver juntos sem interferir na vida uns dos outros. Alguns vivem a fé de um jeito, outros crêem de outra forma e uns nem tem fé, mas não há discriminação. O mesmo acontece com a visão política, econômica, etc. Cada um é de um jeito e a gente se ama.
Me lembro do governo militar, quando eu percorria pelo menos três kilometros pra chegar na escola, sozinha aos 10, 11 anos em pleno Rio de Janeiro e ninguém me incomodava. Era seguro, não se via essa violência gritante de hoje em dia. A família participava da vida escolar, me lembro de um mutirão pra pintar a escola, meus pais participando, bazar onde a gente doava e comprava ao mesmo tempo, ensaios para marchar no 7 de setembro, o clima era tão gostoso que chego a sentir de novo quando visito o passado. Até hoje sei cantar todos os hinos oficiais e foram os melhores anos da minha infância. Verdade que tudo o que a TV transmitia era passado pelo crivo da censura, mas isso era visto como cuidado e não como castração.
Quando a democracia chegou com o primeiro voto popular, o regime foi embora e a fartura também sumiu. Na escola, no lugar de um farto prato de comida, fruta e leite a vontade, era um pão com refresco em pó. A violência cresceu, o medo também. Só a liberdade diminuiu. Ah, a censura também. Agora se a gente não quiser ser surpreendido com o que não quer ver, tem que desligar a TV.
Mas enfim, a vida é o que é, as pessoas são o que são e todos precisam conviver e se respeitar com suas diferenças. Se precisam de censura pra não extrapolar, é porque não é visceral, acabam criando um povo enjaulado. A censura doma mas não muda essências. Ou se educa para que cada um decida por si, ou vira o que virou, gente se impondo a todo custo, afrontando e fazendo engolir a seco suas bizarrices.
Sonho com o equilíbrio, famílias de todos os formatos, sem gente engessada e incomodada com as escolhas alheias. Gente que assimila o sagrado de várias formas e todo mundo se acolhe e se respeita. Por enquanto realizo isto só na minha família mesmo, tem bastado.
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Ontem vi por acaso um vídeo do cantor e pastor Fernandinho, dizendo que um cristão não pode ser de esquerda porque cristianismo e ideologia de esquerda são antagônicos etc e tal. Sem entrar no mérito que cristianismo é um sistema religioso e Evangelho é a notícia de que o preço já foi pago, portanto coisas diferentes, sei que essa postura é geral no meio. Tenho amigos que sequer podem dizer o que pensam se quiserem participar.
Confesso que minha condição neuro divergente me limita na questão dos meus focos, uma coisa que faça sentido pra mim num momento, pode mudar radicalmente. Mas uma coisa que não consigo me aprofundar é ideologia política. E atualmente sinto verdadeiro asco dessas discussões acaloradas, onde conservadores classificam cristãos como se fossem porteiros do céu, permitindo ou impedindo pessoas de entrarem e pertencerem.
Uns até chegam no extremo de citar versículos onde Jesus está à direita de Deus e que na passagem onde ele diz que os da direita são os que entram e os da esquerda são lançados fora, como se Jesus estivesse falando de política e não da disposição em amar e servir.
Deixando claro que não tenho políticos de estimação e analisando bem as pessoas e mentalidades que se podicionam aqui e alí, fica nítido pra mim quem é coerente e quem é só massa de manobra mesmo.
Um cara desses que enriqueceu às custas do nome de Jesus, agora julga do seu patamar superior, quem é e quem não é. Pra mim, relis mortal que só quero viver com dignidade, pagar minhas contas e ter o que meus 35 anos trabalhados me dá o direito, me sentiria uma arrogante desgraçada, se dissesse que alguém não pertence ao aprisco de Cristo, se esse tal pensa diferente de mim. O Reino Dele não é desse mundo. A direita me ensinou que não basta decorar um versículo se a essência é a crueldade e a esquerda que justiça só se aplica na vida do pobre que faz merda, o rico pode. Quem quiser dar o sangue pra qualquer vertente que se lasque. Eu só quero viver e deixar viver.
Hipocrisias à parte, o que Jesus disse que era a verdadeira religião é não se deixar contaminar e ter empatia com quem precisa de nós. Cada um que avalie e decida por si. Minha parte é viver e morrer pelo Evangelho e não por esse meio podre. Dane-se o número do seu candidato. Pra mim é o seis e o meia dúzia.
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