Apesar do nosso idioma ter restrito à uma única palavra, uma diversidade de significados, gosto de analisar o AMOR pelos prismas das palavras gregas Eros, Phileo e Ágape, porque considero perfeitas para traduzir a complexidade.
Eros é o mais egoísta dos três e pra se satisfazer, precisa literalmente entrar no outro e ser com ele uma só carne. Se houver frieza não serve, se não houver beleza e atração física não serve. Um se satisfaz no outro e mesmo que busque a satisfação alheia, é por mera necessidade de alimentar a autoestima. Acabou o fogo, acabou a loucura. E se não houver o amor Phileo ou Ágape, acaba o relacionamento.
Phileo é o amor das trocas, provém da necessidade almática de completude. Há um investimento e a expectativa de retorno. Há doação, mas busca também a reciprocidade. Se não houver reconhecimento, há decepção.
Um exemplo típico é uma família que investe numa criança. Doa, educa, cuida, mas ai deste se não retribuir, se não corresponder aos esforços, se não for obediente, se quiser praticar a própria vontade. Há rompimento, sofrimento, conflito... Phileo é troca e não aceita se entregar gratuitamente. Por isso é tão comum as amizades se dissolverem. Se não há retorno do investimento, Phileo perde a força, não se basta.
Agora imagine que num parto, as coisas não corram bem e o resultado é uma criança com paralisia cerebral. Por mais graves que sejam as sequelas e por menos chances que o filho venha a ter de ter uma vida normal, de corresponder ao amor, ainda assim, receberá entrega, cuidado, carinho, doação, socorro, suprimento...
Assim é Ágape. É assim que Deus nos ama. A Graça não exige retorno, ela ama primeiro, incondicionalmente.
É esta a dificuldade das religiões. Embora preguem um Deus galardoador, impõem a necessidade de troca, como se Phileo fosse primordial no relacionamento de Deus com o homem. Então ensinam obediência, obras e serviços diversos, como moeda de troca por benevolências e bênçãos. No fundo são os registros humanos que forjam também o entendimento à cerca da fé. Entendimento almático, invadindo o espiritual.
Mas como aquela mãe, que se doa ao filho impotente, vulnerável, frágil e incapaz de lhe corresponder à altura, aquela que ainda assim terá um elo de amor espiritual, sem esperar dele, mais do que ele pode lhe oferecer de si, o amor de Deus é incondicional, é gratuito e não busca troca, pois Ele é pleno, não precisa de retorno.
Alguém pode dizer que o exemplo é ruim, afinal temos condições de servir, retribuir. Mas aí é que está. O serviço é consequência e não causa. Fomos amados primeiro para conseguir amar. Se fazemos algo à partir deste amor, é a gratidão que nos move e não um meio de pagar o impagável.
Se há um elo entre Deus e o homem, é espiritual, são laços de amor incondicional, sem relação com as obras humanas. O que o homem consegue fazer, é porque está em Cristo e não por mérito próprio. Mas ainda que permaneça egoísta e não avance em crescimento na direção do amor espiritual, continua sendo alvo de misericórdia, amor, cuidado, porque Deus jamais abandona o homem. Deus é abençoador porque é Bom e não porque merecemos.
Por isso, ponha de lado a barganha, a culpa, o medo, as acusações, as ameaças... tudo isso são contaminações humanas, numa área que serviria para religar, mas se tornou em mentiras.
Quem crê que foi amado imerecidamente, ama por consequência, como resposta. E sentirá fluir de si, este impulso natural na direção de Deus e do próximo. Aí conseguirá doar de si sem esperar pagamento. Porque sabe que antes de todas as coisas foi amado.
"Porventura pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho que cria, que não se compadeça dele, do filho do seu ventre? Mas ainda que esta se esquecesse dele, contudo eu não me esquecerei de ti."
Isaías 49:15